Caché
quarta-feira, maio 10, 2006
Fazia tempo que não ia ao cinema. Como bem lembrou a Ana, desde Sobre Café e Cigarros, do Jim Jarmush. Pois nesta terça, rumamos ao Market Place aqui perto pra ver o que poderíamos fazer pra atualizar nossa precária cultura cinematográfica. Entre o pastiche de Alan Moore e o frenesi cientológico de Tom Cruise, ficamos com Caché, produção franco-austro-ítalo-alemão do diretor austríaco Michael Haneke, vencedora de alguns prêmios em Cannes (entre eles de um enigmático júri ecumênico, o q seria isso?). Na mosca! Como é bom ver cinema europeu. Nos dá uma boa desintoxicada do lixo hollywoodiano e televisivo que ruminamos dia-a-dia. Nada de corte abruptos, câmera frenética, música invasiva, atuações canastronas e roteiros mequetrefes que debocham da gente e embotam qualquer raciosímio mais elevado. Cada posicionamento ousado de câmera ou tenso diálogo entre Juliete Binoche e Daniel Auteuil, é um gozo de puro cinema, do qual eu, Ana e mais seis espectadores nos fartamos a valer.
Haneke faz uma ácida crítica à sociedade ocidental (não só européia, como muitos disseram por aí), conformista, egotrípica e ísta, narcisista a ponto de responder com violência extrema, sem um mínimo de reflexão, tudo que possa ameaçar nosso confortável status quo vazio e hipócrita. Nosso passado nos condena à ordem que engaiola o caos criador. Quem disse que a história acabou? O choque de civilizações continua lépido e fagueiro, sempre a nos esfregar na cara toda a intolerância que alimentamos nos jornais, TV, comentários inocentes e atitudes diárias. Estamos num beco sem saída, paranóicos, esperando apenas um sinal para expor toda nossa vileza em todo seu esplendor.
Fiquei alguns minutos estático, preso à cena final do filme que me remeteu diretamente ao choro do Martim quando saímos para o cinema. "Eu vou também, combinado? combinado? não vai pai, deixa eu ir também, eu vou..." implorava ele na porta de casa, seguro pela babá. A cena foi um espelho do que Haneke nos ofereceu horas depois, como réquiem de uma sociedade que joga seus problemas para debaixo do tapete enquanto o mundo não explode.
Que venha o caos pra pôr ordem nessa zorra toda.
# Jorge Cordeiro @ 02:47
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