Quando o cinema faz História
sexta-feira, setembro 17, 2004
O documentário Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, que estreou no Brasil no último dia 30 de julho, está fazendo história. Não apenas por ter sido o primeiro documentário desde a criação do cinema a conseguir um faturamento de mais de US$ 100 milhões nas bilheterias americanas, ou ser o primeiro filme americano desse tipo a vencer a Palma de Ouro 2004 em Cannes. Fahrenheit 9/11 faz história também porque dá à História esse 'agá' maiúsculo que ela merece.
Quem conhece Michael Moore por seus outros filmes, como Roger e Eu ou Tiros em Columbine, sabe o que vai encontrar: boas histórias que ficaram de fora da história oficial, da história dos vencedores. Em Roger e Eu (1989), no auge da deificação da globalização, teve a pachorra de mostrar os 'efeitos colaterais' de um 'laisser-faire' econômico que tinha regras bem definidas - nós (o G8 e as grandes corporações) ganhamos, vocês (o resto) aguardem sua vez. Tiros em Columbine tocou em 2002 na grande ferida americana, os massacres provocados por jovens estudantes e o psico-fascínio por armas que transformou os Estados Unidos numa nação paranóica e violenta.
Você pode discutir e discordar da versão de Moore para os temas propostos - os 'efeitos colaterais' da globalização e o duvidoso benefício do armamento civil - mas nunca negá-los simplesmente. Ignorar tais fatos sem debatê-los é contribuir para o empobrecimento do conhecimento humano. É fazer História para poucos. A História, dizem, é dos vencedores. São eles quem ditam o que as gerações futuras têm que conhecer sobre os fatos, jogando pra debaixo do tapete detalhes, coincidências ou 'teorias conspiratórias' que possam manchar as glórias e feitos dos heróis escolhidos. Divergências e dúvidas não são bem-vindas.
E lá vem de novo aquele americano maluco, gordo e de bonézinho insistir em dar sua contribuição à História com a versão dos vencidos. Anos depois dos atentados às torres gêmeas, da invasão ao Afeganistão e posterior 'caçada' a Osama Bin Laden, além da conquista do Iraque e seus poços de petróleo, vem um filme como Fahrenheit 9/11 bagunçar tudo o que as grandes corporações de mídia, toneladas de comunicados oficiais do governo americano e milhares de depoimentos de expoentes da política e economia mundial disseram e repetiram para os incautos - a guerra é justa e quem não está do nosso lado, está contra.
É, mas a verdade dos vencedores talvez não seja tão verdadeira assim. Fazer a História ter sentido e não ser apenas uma sucessão de fatos dispersos é a função de um documentarista. E Michael Moore atingiu esse objetivo com louvor em Fahrenheit 9/11. Como disse antes, pode-se até discutir como Moore defendeu seu ponto de vista, mas negar sua contribuição para que os acontecimentos tão influentes na vida de cada cidadão do planeta sejam devidamente escrutinados é, no mínimo, calhorda.
Moore teve em Fahrenheit 9/11 a atitude que todo jornalista político ou econômico deveria ter em relação à sucessão de fatos e casos que foram revelados desde que o primeiro avião se chocou ao World Trade Center de Nova Iorque em 11 de setembro de 2001. Questionou a relação da família Bush com a família Bin Laden; mostrou que boa parte da alta cúpula do governo americano tinha interesse direto no petróleo iraquiano; relembrou as falsas justificativas para a guerra do Iraque (as tais 'armas de destruição em massa'); conversou com pessoas comuns que foram enganadas pela propaganda militar, que as fez ver a guerra como um programa divertido nas arábias; e deu voz a todos os acusados, que não falaram com ele diretamente mas estão presentes no filme em generosas doses de depoimentos, declarações, discursos e entrevistas veiculadas por inúmeros órgãos de imprensa - tudo público e à disposição de quem quer que seja.
Mas dá trabalho juntar A + B, e a História dos vencedores não costuma (nem deseja) ter esse trabalho. Se os ataques feitos ao conteúdo do filme são torpes pela maneira como negam toda e qualquer possibilidade de aceitação a uma versão diferente da oficial, os dirigidos à cinematografia de Michael Moore chegam a ser ingênuos. Fahrenheit 9/11 tem tudo o que um bom documentário deve ter - e mais um pouco.
Afinal, o que se espera de documentários? Bem, no mínimo, que tenha um roteiro que faça sentido; que compre uma tese e demonstre-a com clareza; que evite a manipulação dos fatos; e, talvez o mais importante (o tal 'mais um pouco'): que leia as entrelinhas da História. Com uma edição ágil, impressionante pesquisa de imagens e documentação, escolha feliz de personagens e um roteiro bem amarrado, Moore nos conduz por quase duas horas pelos meandros da geopolítica economica-militar sem causar enfado ou confusão nos espectadores. Fahrenheit 9/11 é simples e denso na medida certa.
E como não ver puro cinema na maneira como Moore 'mostra' o atentado de 11 de setembro? Ao estilo dos melhores filmes de suspense, o espectador é levado para o climax de forma impactante e, ao mesmo tempo, serena. A cadência da música de Jeff Gibbs e as imagens de um presidente Bush auto-confiante e completamente alheio dão a senha do que está por vir. É quando uma gigante tela preta surge à frente, deixando o espectador a sós com sua memória, traduzindo de forma particular o acontecimento que mudou os rumos do século 21.
Até as famosas - e por vezes desnecessárias - 'pegadinhas' que o cineasta gosta de aplicar cumprem aqui mais um papel elucidativo do que meramente cômico. O espectador dificilmente vai conseguir segurar o riso ao ver a cara que um congressista americano faz ao saber, depois de cumprimentar efusivamente Moore, que este na verdade quer a sua assinatura apoiando a ida do próprio filho para a guerra no Iraque. Um bom filme, documentário ou não, nos faz rir, chorar, pensar. Nos faz sair diferentes do cinema. Fahrenheit 9/11 faz sucesso, nos Estados Unidos e no mundo, não é à toa. As pessoas parecem estar cansadas da história oficial, da história dos vencedores. Elas querem mais. A História agradece.
# Jorge Cordeiro @ 14:12
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