Boa leitura
sexta-feira, agosto 05, 2005
Mais um texto brilhante de Luis Fernando Veríssimo:
'Schadenfreude' explica
Deve haver uma grande palavra em alemão que signifique "há uma grande palavra em alemão para tudo". Por exemplo: não existe em outra língua — talvez por pudor — um equivalente ao alemão "Schadenfreude", que quer dizer sentimento de prazer com a desgraça dos outros. Uma versão brasileira da palavra está fazendo falta na cobertura desta crise. Desde que surgiram as primeiras revelações da lambança em que o PT se meteu, um "Schadenfreude" generalizado tomou conta do país. O PT não está pagando só pelo que fez, está pagando pelo que era, ou dizia que era, e o tamanho e a alegria do "Schadenfreude" à sua volta são proporcionais à sua antiga pretensão à superioridade moral. Mas também se festeja a desgraça do PT como uma derrocada terminal da esquerda, da qual não sobraria vestígio depois de tudo isto acabado. É o "Schadenfreude" ideológico. Deve haver outra palavra em alemão, ainda maior, para isto.
"Schadenfreude" com "Schadenfreude" se paga. Como alguns respingos da lambança têm atingido outros partidos e outros governos, fica-se na espera para comemorar cada nova prova de que o PT não foi bandido sozinho e que o esquemão vem de longe. Mas é uma batalha de "Schadenfreudes" desigual. Governistas acuados não estão com ânimo para festejar o que quer que seja e o clima reinante na nação é o de arrasa-PT. As teorias conspiratórias ficam cada vez mais débeis, embora eu ainda defenda minha favorita, a de que se trata de um golpe de radicais do próprio PT que querem derrubar Lula e Palocci e colocar José Alencar na Presidência. (Finalmente um governo de esquerda!) E a idéia de uma conspiração conservadora peca por inconsistência semântica. "Conspiração" quer dizer movimento à margem da normalidade contra um poder estabelecido. Como a normalidade é hoje o que sempre foi, a direita com o poder não importa quem esteja no palácio, conspiração conservadora é um oximoro, minha outra palavra difícil do mês.
Quando o Fernando Henrique disse que seu governo agora pertencia à História e portanto não cabia investigá-lo, estava falando da História como um refúgio, com blindagem permanente contra ameaças retroativas. Com toda a razão. A comparação da História do Brasil com uma espécie de asilo para o patriciado, à prova de remorsos, é irretocável. Assim tem sido desde o primeiro Pedro (o Álvares Cabral).
Como não é do patriciado, Lula não terá direito ao conforto do esquecimento, quando também virar história.
Nosso consolo é que não deve existir uma palavra em alemão mais expressiva, para tudo isto que está acontecendo, do que "lambança".
# Jorge Cordeiro @ 20:21
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