Conto de uma Páscoa vazia
sexta-feira, abril 14, 2006
"Pombas, como o cara foi esquecer o filho no carro, caramba?!?" Não paro de pensar na história enquanto sacolejo no ônibus rumo ao lar doce lar. Às vésperas da festa da ressurreição, uma vida se vai assim, tão bestamente... Fatalidades são cruéis e corriqueiras. Angustiado, sou seduzido pela idéia de deixar a mente voar na mesa de um boteco sujo, como convém. Na esquina da 9 de Julho com Estados Unidos, desço e inicio uma caminhada. Todos os caminhos em SP levam à Vila Madalena.
À luz brilhante da lua cheia, que soberana paira sobre os prédios, desbravo ruas semi-desertas. Minhas eficientes botinas abrem caminho por veias urbanas repletas de sangue metálico, zunindo por entre as notas de Unida, que berra Black Woman pelos alto-falantes.
Na Rebouças, a sensação de estar numa estranha cidade calviniana me abarca. A luz amarelo-ocre dos postes de luz não deixam vingar o luar. Estou perdido numa noite clara. Por entre farrapos humanos que se revelam aqui e ali, dondocas que compram halls em lojas de conveniência e alegres grupos confinados em veículos brilhantes, passo a passo avanço rumo à Vila Madá. Os potentes acordes de Human Tornado aceleram meus passos até a Mourato Coelho. Respiro fundo. Aqui começam as ladeiras. Tal qual a vida, é preciso arrumar fôlego para continuar a caminhada.
Porcos e guaranis se engalfinham em um bar lotado de maurícios e patrícias, o sentido há muito se perdeu. "Onde está a civilização? Ninguém sabe, ninguém viu... " Ofilósofo aponta o caminho e ele é circular. Abrimos estradas de progresso com destruição e falsidade, disfarçados em amarelados sorrisos. Eu quero me afundar na lingerie, baby, e deixar as dores do mundo pra lá. Por que elas sempre aparecem. No carro, na rua, no balcão do bar.
Feliz Páscoa?
# Jorge Cordeiro @ 18:42
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